Em razão da atual pandemia do Coronavírus (Covid-19), o projeto de lei foi apresentado como resposta do Poder Legislativo Federal, a fim de que sejam disciplinadas as relações entre particulares, especialmente as decorrentes das locações de imóveis urbanos, além de outras.
O texto do projeto, com as devidas alterações dadas pelos componentes do Senado Federal, reserva, apenas no seu artigo 9º, tratamento às locações de imóveis urbanos.
No citado artigo podemos encontrar a seguinte redação, a saber:
“Art. 9º – Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano, nas ações de despejo, a que se refere o artigo 59, § 1º, I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.
Parágrafo único: O disposto no caput desse artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020″.
Mas, afinal de contas, o que isso quer dizer e quais são, de fato, as consequências provocadas por esse projeto de lei?
Inicialmente, é preciso esclarecer que estamos falando de um projeto de lei, ou seja, esse texto não é uma lei de fato, mas pode vir a se tornar uma. Tal transformação depende, em resumo, além de toda uma tramitação dentro do Poder Legislativo Federal (Câmara dos Deputados e Senado Federal), da sanção do Presidente da República e posterior publicação.
Nesse sentido, por enquanto, estamos falando apenas de um texto que não vincula locadores e locatários. Caso esse mesmo projeto seja promulgado e publicado, isto é, transformado em lei, de fato teremos uma situação totalmente diferente, onde existirá a obrigatoriedade dele ser observado.
Após uma rápida leitura do artigo 9º, percebemos a presença de algumas palavras centrais e que, ao mesmo tempo, são desconhecidas para a maioria das pessoas. Elas não são tão familiares porque são mais utilizadas no meio jurídico e, dificilmente, as vemos em nosso dia a dia.
No total, podemos separar cinco palavras: liminar, ações, despejo, caput e ajuizadas.
Todas elas fazem referência aos acontecimentos que ocorrem dentro de um processo judicial, com exceção da palavra caput. Essa última é uma palavra que tem origem no latim e quer dizer cabeça, mas ela será melhor explicada mais adiante.
Os acontecimentos dentro do processo são aqueles que ocorrem na própria ação judicial, isto é, mais especificamente quando há um conflito entre as partes do contrato de locação, o qual é levado ao Poder Judiciário. Por isso, as ações ajuizadas, como colocadas nesse artigo 9º, do Projeto de Lei nº 1.179/2020, são aquelas em que encontramos autor (es), réu (s), advogado (s) e juiz.
Dentro desse mesmo processo, em resumo, serão discutidos os descumprimentos dos termos do próprio contrato de locação. Em um último caso, ao final do processo, os locatários serão despejados, por exemplo, caso estejam inadimplentes com o pagamento dos aluguéis, IPTU, condomínio, serviços de água, luz, gás, entre outros. É preciso esclarecer que o despejo é uma determinação judicial que obriga o (s) locatário (s) a desocuparem o imóvel dentro de um prazo previamente fixado.
Às vezes ocorre desse despejo ser determinado apenas após a sentença (ato judicial que decide em definitivo, em primeira instancia, a discussão travada entre as partes e quem está com a razão), mas também é possível que ele seja determinado antes dela. Nesse caso, aparece a figura da liminar.
A liminar funciona como uma determinação judicial antecipada que assegura, dentro de determinadas condições, o direito do locador de ver o seu imóvel desocupado. Isso é importante porque possibilita uma rápida saída do (s) locatário (s) e permite, além da continuação da discussão dos valores devidos, no próprio processo judicial, que o imóvel seja locado novamente.
Portanto, com base nessa rápida explicação, podemos concluir que o artigo 9º, do projeto de lei, caso venha a se tornar de fato uma lei, impede que o juiz determine a desocupação do imóvel antes da sentença, apenas em algumas situações previstas na lei de locações de imóveis urbanos.
É preciso esclarecer que tal situação poderá provocar certa demora na desocupação do imóvel e, por consequência, impedirá o locador de locar novamente o seu bem e auferir renda com sua exploração.
De qualquer forma, a preocupação do Senador Antônio Anastasia é de impedir que as pessoas não possam ficar em suas casas, mesmo que sejam devedoras, por exemplo, e demandadas em uma ação judicial, especialmente em razão da atual pandemia.
Em continuação ao nosso estudo, conforme dito anteriormente, o projeto de lei limita as hipóteses em que o juiz pode conceder a liminar e determinar o desejo. Aquelas situações, em que não será autorizado o despejo, estão previstas no artigo 59, parágrafo primeiro, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da lei federal 8.245/91.
No total, o projeto de lei apresenta seis hipóteses que, mesmo previstas pela lei de locações de imóveis urbanos, temporariamente, não poderão autorizar o juiz a conceder a liminar de despejo.
A primeira delas, diz respeito ao descumprimento de acordo, celebrado por escrito, assinado pelas partes, com duas testemunhas, que fixa o prazo mínimo de seis meses para desocupação. Nesse caso, por exemplo, o locador e locatário podem ajustar entre si um prazo, não inferior a seis meses, para rescisão do contrato e desocupação do imóvel. Caso o acordo seja descumprido, não poderá o juiz conceder a liminar de despejo.
A segunda hipótese se aplica aos contratos de trabalho. Suponhamos que você é dono de um sítio em uma cidade turística, com uma grande área e que loca esse espaço a terceiros. Ocorre que, em razão do grande trabalho que você tem para cuidar dessa propriedade, resolve contratar funcionários, os quais ficarão alojados em uma pequena casa, localizada dentro da propriedade. Os funcionários são pagos mensalmente e moram nessa residência.
Suponhamos que, em dado momento, o funcionário é dispensado e o contrato de trabalho rescindido, mas o trabalhador se nega a deixar a residencia. Caso isso aconteça, por exemplo, mesmo que você ingresse com a ação de despejo, perante a Justiça do Trabalho, o juiz não poderá autorizar o despejo.
A terceira situação acontece com as chamadas sublocações. Você, na condição de proprietário, por exemplo, loca o seu apartamento a um estudante. Em determinado momento, ele pede sua autorização para sublocar um quarto vazio e você aceita. Após algum tempo, o contrato de locação é rescindido, mas você, na qualidade de proprietário, descobre que aquela terceira pessoa que ocupava o quarto, antes vazio, permanece no imóvel. Você, com toda a certeza, poderá despejar o sublocatário judicialmente, mas somente após a sentença.
A quarta hipótese diz respeito às garantias da locação, como a fiança por exemplo. Suponhamos que passados alguns meses, após a assinatura do contrato de locação, você, na qualidade de proprietário, recebe a triste notícia de que o fiador faleceu. Em razão disso, você comunica o locatário para que ele apresente uma nova garantia dentro do prazo de 30 dias, sob pena de desfazimento da locação. Caso o prazo não seja cumprido, o locatário poderá ser despejado, mas somente após a sentença.
Em quinto lugar encontramos uma situação que ocorre após o término do contrato de locação ou próximo ao seu término. Suponhamos que você, na qualidade de proprietário, não pretende renovar a locação e, em razão disso, comunica o locatário para que ele saia do imóvel. Caso o seu locatário não saia do imóvel, a ação judicial, para retomada do imóvel, obrigatoriamente, deverá ser proposta até 30 dias após o último dia da locação ou da data que o locatário foi notificado da decisão do locador.
Em sexto e último lugar encontramos a situação mais comum. Ela acontece quando o locatário não paga os débitos e o contrato está desprovido de garantia (fiança, caução, etc.). O proprietário poderá requerer judicialmente o despejo, mas assim como nos casos anteriores, somente poderá despejar o locatário após a sentença.
O projeto de lei, como explicado anteriormente, somente acomete essas hipóteses. Em contrapartida, as liminares de despejo continuarão sendo autorizadas nos casos de: i) término do prazo para locação por temporada, desde que a ação judicial seja proposta no prazo de trinta dias após o término do contrato de locação; ii) morte do locatário que não deixa sucessores legítimos (filhos, pais, cônjuge, irmãos, tipos, sobrinhos e primos), quando permanecem no imóvel pessoas não autorizadas; e iii) reparos urgentes, determinados pelo poder público, quando o locatário não possa ficar no imóvel, em razão da obra a ser realizada, ou mesmo quando ele possa permanecer no imóvel, mas não autoriza a realização das reformas;
Por fim, antes de finalizar o presente texto. Vocês se lembram que, anteriormente, colocamos a palavra caput para ser analisada mais adiante? Pois bem. Chegou a hora. Quando o parágrafo único diz que o disposto no desse artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020, ele está fazendo referência ao próprio artigo 9º. Isso porque o caput caput faz referência ao próprio artigo 9º.
Portanto, todas as referências indicadas no artigo 9º serão aplicadas, temporariamente, as ações de despejo apresentadas ao Poder Judiciário de 20/03/2020 até 30/10/2020. Caso a ação já tenha sido distribuída pelo seu advogado, após esse projeto virar lei, por exemplo, o juiz não concederá a liminar de despejo, mas somente após o dia 30/10/2020. A situação também se aplica se a ação foi distribuída após 20/03/2020, antes do projeto virar lei de fato. Também, nesse caso, o juiz não estará autorizado a conceder a liminar de despejo até o dia 30/10/2020.
No mais, é de extrema importância que os locadores e locatários consultem um advogado, dessa forma ele pode esclarecer melhor as suas dúvidas. É bom sempre lembrar que cada situação é distinta da outra. Cada uma guarda algumas particularidades que demandam um tratamento diferenciado.